Entenda os impactos da pandemia na saúde mental com dados, estudos e estratégias adotadas no Brasil e no mundo.
A pandemia de COVID-19 desencadeou uma crise global sem precedentes, afetando não apenas a saúde física, mas provocando profundos impactos na saúde mental da população mundial.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no primeiro ano da pandemia, houve um aumento massivo de 25% na prevalência global de ansiedade e depressão.
No Brasil, o cenário não foi diferente: mais da metade dos brasileiros (53%) relataram que sua saúde emocional e mental piorou desde o início da pandemia, índice superior à média dos 30 países pesquisados pelo instituto Ipsos.
Este artigo, elaborado pela equipe da Unolife, analisa as evidências científicas sobre os impactos da pandemia na saúde mental, as populações mais afetadas e as estratégias de enfrentamento implementadas.
Principais impactos da pandemia na saúde mental
Os impactos da pandemia na saúde mental manifestaram-se de diversas formas.
Um estudo publicado pela revista The Lancet, realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revelou que os casos de depressão aumentaram 90% e o número de pessoas com crises de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre março e abril de 2020. Essa realidade não se restringiu ao Brasil.
Pesquisas internacionais demonstraram que as pessoas infectadas pelo vírus também desenvolveram sequelas neuropsiquiátricas significativas.
Um estudo com pacientes chineses verificou prevalência de sintomas de estresse pós-traumático em 96,2% dos infectados e níveis significativamente mais elevados de sintomas depressivos.
Além disso, mesmo após a recuperação física, muitos pacientes continuaram apresentando fadiga, comprometimentos cognitivos e sintomas de ansiedade e depressão por meses após a infecção.
As razões para esse agravamento são multifacetadas. O medo de contrair o vírus, as restrições de movimento, o isolamento social, o luto pelas perdas de entes queridos e as incertezas econômicas criaram uma “tempestade perfeita” para o surgimento ou agravamento de problemas de saúde mental.
As consequências da pandemia podem ser divididas em quatro ondas: sobrecarga imediata dos sistemas de saúde; diminuição de recursos para outras condições clínicas; interrupção nos cuidados de saúde crônicas; e aumento de transtornos mentais relacionados direta ou indiretamente à pandemia.
Grupos populacionais mais vulneráveis
Os dados revelam que certos grupos foram desproporcionalmente afetados pela crise.
- Uma pesquisa do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) identificou que 75% dos jovens entre 18 e 24 anos relataram pelo menos um sintoma adverso de saúde mental durante a pandemia.
- Profissionais de saúde também sofreram intensamente: um estudo com médicos chineses detectou sintomas de estresse em 73,4% deles e depressão em 50,7%.
- Outros grupos de risco incluíram cuidadores não remunerados de adultos (67%), pessoas com menor escolaridade (66%) e trabalhadores essenciais (54%).
- As mulheres também foram mais afetadas, como demonstram diversos estudos internacionais que apontam maior prevalência de sintomas de ansiedade e depressão nesse grupo.
Transformações nos serviços de saúde mental
A pandemia acelerou transformações nos modelos de atendimento em saúde mental. Com o distanciamento social e o medo de contágio, a busca por serviços de psicologia online tornou-se uma alternativa viável e necessária.
Dados revelam um aumento impressionante de 447% nos cadastros de profissionais para atendimento psicológico virtual desde o início da pandemia até agosto de 2021.
A telepsicologia, segmento da telessaúde que utiliza tecnologias de informação e comunicação, mostrou-se eficiente durante esse período.
Um relato de experiência da Universidade Federal de Juiz de Fora demonstrou que o atendimento telepsicoterapêutico foi eficaz, com as famílias participando ativamente e estabelecendo vínculos terapêuticos significativos.
Este modelo também facilitou o acesso a pessoas que antes não conseguiam atendimento presencial por questões geográficas ou de mobilidade.
No entanto, desafios ainda persistem, como o não conhecimento da prática de telepsicologia no processo inicial de formação dos psicólogos e dificuldades tecnológicas, como problemas de conexão com a internet e limitações de habilidades digitais, principalmente entre os pacientes mais vulneráveis.
Mesmo assim, essa modalidade de atendimento veio para ficar, tendo sido adotada por aproximadamente 40% dos 408.789 psicólogos cadastrados no Conselho Federal de Psicologia até 2021.
Respostas governamentais e políticas públicas
Para enfrentar a crise de saúde mental, o Ministério da Saúde brasileiro implementou diversas iniciativas.
Durante a pandemia, a pasta recomendou aos gestores dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) a não interrupção dos atendimentos, tomando as medidas necessárias para evitar a disseminação do coronavírus.
De janeiro a julho de 2020, foram realizados mais de 165 mil atendimentos em saúde mental nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e em estabelecimentos da Atenção Primária.
Em 2022, o governo lançou o serviço Linha Vida (196) para acolher pessoas com risco de suicídio e automutilação, além de um projeto de teleconsultas para apoiar pessoas com impactos na saúde mental causados pela pandemia, disponibilizando mensalmente 12 mil teleconsultas com psicólogos e 6 mil com psiquiatras.
Também foi criada a Estratégia Nacional de Fortalecimento dos Cuidados à Ansiedade e Depressão pós-pandemia.
A OMS destacou que 90% dos países pesquisados incluíram suporte à saúde mental e psicossocial em seus planos de resposta à COVID-19.
Em 2020, governos em todo o mundo gastaram em média apenas 2% de seus orçamentos de saúde em saúde mental, e muitos países de baixa renda relataram ter menos de 1 profissional de saúde mental para cada 100.000 pessoas.
Conclusão
Os impactos da pandemia na saúde mental constituem o que os especialistas da Unolife chamam de “pandemia paralela”, com efeitos que provavelmente perdurarão muito além da crise sanitária imediata.
Embora tenha havido um pequeno aumento nos problemas de saúde mental autorrelatados, isso ainda não se traduziu em taxas objetivamente mensuráveis de aumento de transtornos mentais, autolesão ou suicídio no nível populacional.
As evidências destacam a urgente necessidade de fortalecer os sistemas de saúde mental, ampliar o acesso a serviços de qualidade e desenvolver estratégias preventivas para futuras crises.
A experiência adquirida durante a pandemia de COVID-19, especialmente com a rápida adaptação para modelos de atendimento remoto, pode servir como base para políticas públicas mais inclusivas e resilientes.
Para compreender como a COVID-19 continua a moldar a saúde mental a longo prazo, dados longitudinais detalhados e bem controlados nos níveis neurobiológico, individual e social permanecem essenciais.
Para futuras pandemias, formuladores de políticas e clínicos devem priorizar a saúde mental desde o início, para identificar e proteger os grupos de risco e promover resiliência duradoura!